quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

OBRIGADO, SENHOR, OBRIGADO!

Eu não acreditava, mas queria acreditar. No Natal de 1975 recebi a dádiva de acreditar para sempre. Minha filha, Alessandra, de três anos assistia TV deitada num pequeno tapete no chão da sala. Já havia algumas semanas que um comercial encantava a menina, apresentando uma boneca chamada “Cosquinha”. À medida que se fazia cócega nas plantas dos pés da boneca, esta se punha a rir gostosamente. Estávamos a vinte dias do Natal. Eu como sempre desempregado, sem dinheiro e sem perspectiva de tê-lo no bolso. Minha filha aproximou-se e abaixou o livro sem cerimônia em minhas mãos e apontou a TV: – Je, eu quelo a boneca cosquinha e o carrinho da boneca! Respondi-lhe tentando dissimular: – Filha o papai já falou que vai comprar uma boneca que não ri, nem chora, mas é bonitinha igual a você! – Não quelo – retrucou a menina – só quelo a cosquinha e o carrinho.
De repente e pela primeira vez na minha vida tive a idéia de tentar acreditar, mesmo não acreditando nos poderes da mente. Precisava testar. Necessitava de uma prova para me dar ao luxo de ter fé, o velho problema da humanidade. Chamei a pequerrucha que já se afastava chorosa e então lhe disse com todas as palavras pausadamente: – Filha, você só quer a boneca cosquinha e o carrinho da boneca, né? – ela respondeu meio desconfiada e quase sorrindo, que sim. Disse-lhe então que ela iria ganhar no Natal do Papai do céu. A menina bateu palminhas numa alegria incontida, sorrindo satisfeita. – Mas, tem uma coisa – fui dizendo, tomando-a nos braços e aconchegando-a no colo – você deverá todos os dias até o Natal dizer para o Papai do céu três vezes quando for dormir à noite e mais três vezes quando levantar pela manhã: “o Papai do céu vai me dar a boneca cosquinha e o carrinho da boneca no Natal. Muito obrigada Papai do céu”. Minha filha passou a fazer as orações do jeito que lhe pedi ao deitar-se e ao levantar-se. Uma noite ela acordou a mim e minha esposa para nos lembrar de que não havia feito a oração. E – jamais me esquecerei daquela cena – ajoelhada no berço pôs as mãos em palma e recitou três vezes a prece petitória, gesto que me calou fundo.
No dia 23 de dezembro surgiu uma oportunidade para mim. Eram bichos e bonecas de pelúcia, daquelas que se costurava apenas a cabeça a um corpo de enchimento de isopor. Não era muita coisa, mas recebi um prazo bom de pagamento e as vendas dariam para o Natal. Entretanto, as vendas nas ruas mesmo debaixo de chuvas surpreenderam-me e tive o cuidado de reservar uma das bonecas de pelúcia para minha filha, já que sabia não ter condições de comprar a boneca cosquinha. Minha esposa e eu havíamos combinado passar o Natal na casa de minha mãe, a qual costumeiramente fazia uma festança na noite da véspera. Ela residia próxima a estação da Luz no bairro de mesmo nome. Minha esposa e a menina foram para lá, enquanto eu resolvi perambular por toda São Paulo atrás da cosquinha e do carrinho. Este último consegui comprar, mas a cosquinha não encontrava e quando localizava uma por acaso, o preço era exorbitante, entre 3 a 4 mil cruzeiros.
Pela uma hora da madrugada as lojas já fechavam as portas. Resolvi desistir e voltar para casa de minha genitora. Foi neste momento que me deparei com uma loja, cuja porta estava baixada até um metro do solo. Olhando por baixo da porta percebi que lá dentro separavam caixas e limpavam as prateleiras. Um homem perguntou-me o que eu queria. Expliquei-lhe adentrando a loja. A resposta não demorou: – Não tem mais! – agradeci e fui saindo devagar, quando ouvi:
-Moço! Moço! – Voltei-me e vi um rapaz loiro no alto de uma escada segurando a boneca tão desejada, a qual gargalhava sem parar acionada que fora pelo dispositivo eletrônico. Ela ficara esquecida no fundo da caixa e em razão disso não fora vendida. Fiquei chocado e sem fala. Mas, havia ainda o preço e procurei aparentar tranqüilidade. – Quanto é? – indaguei amedrontado. O proprietário respondeu: – seiscentos cruzeiros. Faço a preço de custo por ser a última venda deste Natal. – Respirei aliviado e agradecendo intensamente a Deus e ao comerciante.
O relógio do Mosteiro de São Bento badalava a uma e trinta da madrugada do dia 25 de dezembro de 1975, enquanto eu sobraçava um belíssimo troféu conquistado não por mim, mas pela minha filha Alessandra. As lágrimas não paravam de descer de meus olhos e surpreso e atônito fui repetindo em voz alta:
-Obrigado Senhor, Obrigado!

Jeovah de Moura Nunes
Escritor e jornalista autor do livro “Prepare-se para o sucesso!” entre outros livros.

O PROTESTO DA NATUREZA



A natureza, através de seus meios de manifestação, protesta com veemência contra o homem e a favor do homem. Tive esta sensação quando assistia pela TV, os moradores de várias ruas na capital paulista jogarem no leito carroçável da rua seus móveis, tais como: camas, colchões, receptores de tv recém adquiridos a duras penas, berços, guarda-roupas, geladeiras, estantes, livros e tudo que fosse inútil pela deterioração com a presença de águas enlameadas, ou saídas dos esgotos à céu aberto em razão dos temporais cada dia mais violentos. Algumas lágrimas ficam impossíveis de serem retidas ao descerem pelo meu rosto. Sim, porque todos nós temos a possibilidades de se colocar no lugar daquelas pessoas. Hoje são elas, amanhã poderá ser nosoutros. A natureza não respeita comezinhos. É ativa e pró-ativa e está sempre em movimento. Tais chuvas ainda são bênçãos no Brasil, muito diferente dos tufões, dos furacões, dos terremotos, maremotos e tsumanis ocorrendo regularmente pelo planeta em áreas densamente povoadas, matando assim milhares de pessoas. O planeta ruge apesar de não ouvirmos nada em nossa surdez disfarçada. Um vulcão pode surgir no chão de nossa casa e aí sim acreditaremos por alguns segundos na manifestação divina. Cada pessoa que sobreviva a uma hecatombe terá a partir daquele momento muito mais fé. Fé em tudo, até em Deus se não possuía anteriormente.
A natureza não se vinga, apenas protesta e este protesto serve muitas vezes para sacudir nossos políticos bons e maus. Os bons nada fazem para justificar o cargo que ocupa; os maus são os ladrões em alta escala. Isto explica as condições terríveis de vida da população pobre manipulada pelo Estado. “Ser pobre no Brasil é ser ninguém/ É ser trambolho que se evita e afasta/ Lei que o proteja logo se desgasta/ Na má vontade dos que tudo tem”. Estes versos são de meu pai e foram escritos na década de 40 do século passado. É um soneto mostrando o perfil do pobre na sociedade brasileira hipócrita daqueles tempos e de hoje também. Não coloquei as outras estrofes para poupar espaço, mas só estes quatro versos já dão uma idéia do tratamento da pobreza desde sempre no Brasil. A vida do pobre no Brasil não é muito diferente da vida do judeu no nazismo. Esta verdade é fácil de ser percebida, quando os diversos governantes brasileiros fingem cuidar dos pobres, ou seja, mentem com um paternalismo fora de moda e deixa o pobre morrer à míngua; já no nazismo não fingia nada e havia sinceridade quando tratavam na paulada os judeus.
A natureza não alcançou ainda as casas fortificadas dos ricos, enquanto destrói a casa e a vida dos pobres. Mas, acredito que irá chegar lá porque o rico tem muitas coisas para pagar e também muitas para perder, quando o pobre já perdeu tudo, até a vida. A natureza não se vinga, apenas protesta, avisa e ensina ao brasileiro pobre como protestar, mesmo porque até hoje neste país o pobre bancou o gatinho bonzinho, mas poderá se metamorfosear numa entidade apocalíptica e ocorrer um gigantesco acontecimento semelhante à Rússia em outubro de 1917. Aquela revolução, embora tenha durado mais de 70 anos, mudou totalmente a maneira de interpretar a cidadania e fez com que o mundo progredisse a olhos vistos, em razão principalmente da concorrência entre dois mundos com sistemas de governos contrários. Daí em diante o pobre deixou de ser trambolho e sim gente, como verdadeiramente é. Apenas um país chamado Brasil continua até hoje a tratar os pobres como se fossem prisioneiros num país repleto de políticos farsantes, de impostos exorbitantes, sem socorro médico, sem salário adequado, sem educação pujante e com uma criminalidade crescente em razão principalmente de uma impunidade crônica deixando o homem honesto cada vez mais envergonhado em sua honestidade, visto que por qualquer erro o pobre é logo preso, cumpre sentenças longas num país que está mais para ser uma província oriental de Xátria.
Sou um anticomunista, mas sou também um anticapitalista, principalmente quando o capitalismo está mais para um feudalismo nojento muito comum em todas as cidades do Brasil e quando a proclamação da República tenha sido um golpe militar e não uma revolução populista. Viver no Brasil de hoje está ficando pior do que viver na Rússia dos tempos da URSS. Eles, com toda a tragédia que viviam naqueles tempos, conseguiram derrotar o nazismo de Hitler, porque foram os primeiros a chegarem em Berlin, destruindo-a completamente.

Jeovah de Moura Nunes
escritor e jornalista, Autor do livro “Memórias de um camelô” entre outros livros

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O DIABO



“Respondeu-lhe Jesus: Não vos escolhi a vós, os doze? E um de vós é diabo.” – (João, 6:70).
Quando a teologia se reporta ao diabo, o crente imagina de imediato, o senhor absoluto do mal, dominando num inferno sem-fim. Na concepção do aprendiz, a região amaldiçoada localiza-se em esfera distante, no seio de tormentosas trevas. Sim, as zonas purgatoriais são inúmeras e sombrias, terríveis e dolorosas, entretanto, consoantes à afirmativa do próprio Jesus, o diabo partilhava os serviços apostólicos, permanecia junto dos aprendizes e um deles se constituíra em representação do próprio gênio infernal. Basta isto para que nos informemos de que o termo “diabo” não indicava, no conceito do Mestre, um gigante de perversidade, poderoso e eterno, no espaço e no tempo. Designa o próprio homem, quando algemado às torpitudes do sentimento inferior. Daí concluirmos que cada criatura humana apresenta certa percentagem de expressão diabólica na parte inferior da personalidade. Satanás simbolizará então a força contrária ao bem. Quando o homem o descobre, no vasto mundo de si mesmo, compreende o mal, dá-lhe combate, evita o inferno íntimo e desenvolve as qualidades divinas que o elevam à espiritualidade superior. Grandes multidões mergulham em desesperos seculares, porque não conseguiram ainda identificar semelhante verdade. E comentando esta passagem de João, somos compelidos a ponderar: - Se, entre os doze apóstolos, um havia que se convertera em diabo, não obstante a missão divina do círculo que se destinava à transformação do mundo, quantos existirão em cada grupo de homens comuns na Terra?”.
O texto acima é de autoria do Espírito Emmanuel, através da psicografia de Francisco Cândido Xavier, constante no livro “Pão Nosso”, texto de número 164, página 339. Resolvi colocar este vigoroso texto porque estamos vivendo nestes últimos anos violências das mais cruéis e só visualizadas nas guerras, além dos diabólicos esquemas de corrupções principalmente nos meios das autoridades políticas. E isto está acontecendo no Brasil, um país que sempre se gabou de ser pacífico, religioso e apegado ao cristianismo. Emmanuel ponderou que se entre doze apóstolos havia um diabo, apesar da divina missão, quantos existirão em cada grupo de homens comuns? Eu diria que os diabos em um agrupamento gigantesco como o Brasil daria para formar outro Brasil só de diabos. Inocentes são mortos diariamente por indivíduos sem alma e sem coração. Mata-se a troco de nada e o governo mata muita gente de fome, ou deixa-os a mercê das necessidades prementes conforme vemos nos grandes lixões e este mesmo povo ainda aprova estas “coisas diabólicas” no poder. O fato é que os diabos brasileiros ficam na impunidade e os santos são sacrificados. O pobre é assediado e roubado pelos diabos, que permanecem impunes em razão das leis mais fajutas do mundo.
Diante da necessidade urgente de leis mais severas, que jamais virão, em razão principalmente do falso conceito brasileiro republicano-moralista, ou enganador, visto que os políticos muitos deles são verdadeiros bandidos com caras de anjos e não são punidos é onde assistimos cenas comuns de roubos, de distribuição de dinheiro vivo carregado dentro de cuecas, meias e bolsos. São os atestados de que este país abriga ladrões aos montes, ou os “diabos” em grande profusão. Ladrões estes, que por serem políticos permanecem impunes e até regressam com a maior cara de pau para novas eleições e o povo, também diabólico, gosta e os elege novamente. O pobre fica numa encruzilhada entre a honestidade e a desonestidade e se resolve cair na criminalidade, tão comum entre os políticos, aí então o caldo engrossa. O pobre é preso, apanha como um cachorro e paga penas severas, enquanto o político-ladrão fica na boa vida e é eleito sempre que ele queira. O povo merece tudo isto porque afinal até hoje não passa de gado vacum tocado e levado pelos políticos à qualquer lugar, numa enganação nem mesmo praticada pelos antigos romanos. No país do futebol e carnaval somos testemunhas de que isto está mais para a desgraça de um povo do que para a infelicidade de vivermos num lugar não sério e de homens não sérios, principalmente os que usufruem o poder.
Aos meus caros leitores deixo aqui o meu abraço neste Natal de 2009, pedindo escusas por esta matéria nada natalina, porém verdadeira.

Jeovah de Moura Nunes
Autor do romance “A cebola não dá rosas” entre outros livros